”O direito de voto, é um direito pessoal e constitui um dever cívico assente numa responsabilidade de cidadania, ao qual não se encontra ligada nenhuma sanção em caso de incumprimento.”
A maioria dos partidos representados no Parlamento votou favoravelmente, na generalidade, à Proposta de Revisão Constitucional, que vai permitir que cerca de 400 mil angolanos, que se estima residirem no estrangeiro, exerçam o direito de voto nas próximas eleições gerais.
A proposta foi aprovada por uma maioria qualificada de mais de dois terços dos deputados. O MPLA, CASA-CE, PRS e FNLA votaram favoravelmente, enquanto a UNITA se absteve.
Depois da aprovação na generalidade, a proposta foi remetida à Comissão dos Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional que vai elaborar o processo para a discussão na especialidade.
O ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, considerou, durante a apresentação da proposta, para a discussão na generalidade, que o voto no estrangeiro não é apenas uma decisão justa, mas também necessária.
Com a proposta, disse, o Presidente da República pretende convocar todos os angolanos para as grandes decisões nacionais e participação na definição do destino colectivo. “Angola somos todos, os que vivem em Angola e os que não residem”, afirmou.
De acordo com uma mensagem enviada ao líder da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, o Presidente da República é de opinião que se continue a trabalhar para a consolidação dos princípios fundantes da ordem constitucional, para a continuidade da estabilidade constitucional, política e institucional. A ideia é que se tenha “uma Constituição o mais possível ajustada à nossa realidade”.
Na mensagem, lida pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil, o Presidente da República defende que a Constituição deve continuar a ser ” o principal instrumento de garantias da unidade nacional e da afirmação de uma Angola una e indivisível”. A preocupação com a estabilidade dos princípios basilares e a longevidade da Constituição da República, sublinha, não devem eclipsar a permanente análise e preocupação com a sua adaptação às realidades e aos contextos que visa disciplinar.
“A desejada estabilidade e a longevidade ensaiada no texto constitucional dependem, também, da sua capacidade de não se deixar ultrapassar na dinâmica social e de estar permanentemente atenta às relevantes mutações políticas institucionais, económicas e sociais”, refere.
O Presidente reafirma que a revisão pontual visa clarificar os mecanismos constitucionais de fiscalização política do Parlamento sobre o Poder Executivo, de modo a melhorar o posicionamento e a relação institucional entre dois órgãos de soberania.
Assegurar o direito do voto aos angolanos residentes no exterior, consagrar constitucionalmente o Banco Nacional de Angola como uma entidade administrativa independente do poder executivo, a “desconstitucionalização do gradualismo” na institucionalização efectiva das autarquias, de modo a permitir que o debate parlamentar discuta livremente sobre a implementação faseada ou não das autarquias são outros objectivos da alteração pontual da Constitucição.
João Lourenço propõe um “debate aberto e profundo” e espera que o mesmo traga “contribuições diferentes e congregadoras” sobre os temas propostos, para que “a Constituição continue viva, estável e adequada aos desafios estruturantes do país”.
Deputados da oposição manifestaram preocupações
Durante o debate da proposta de revisão, na generalidade, deputados de diferentes grupos parlamentares, excepto o MPLA, manifestaram preocupações com aquilo que consideram ser o “atipismo da Constituição”.
O deputado Alcides Sakala disse que a UNITA entende que a proposta visa a “manutenção do atipismo da Constituição” e “mexe, pela negativa”, com alguns princípios democráticos adquiridos, entre os quais o da institucionalização das autarquias.
“A UNITA tem insistido na possibilidade de se realizar a reforma do Estado através de um conjunto de iniciativas essenciais com vista à normalização do papel das instituições do Estado, destacando uma ampla revisão da Constituição, da Lei Eleitoral, a institucionalização da reconciliação nacional, do poder autárquico e a reorganização do poder judicial”, referiu.
André Mendes de Carvalho, da CASA-CE, considerou “bem-vinda” a proposta de revisão pontual da Constituição, mas afirmou estar “muito aquém do desejável”. Mas, insistiu, “é um passo modesto que não podemos deixar de considerar”.
A CASA-CE, segundo ainda Mendes de Carvalho, concorda com a revogação do nº 1 do artigo 242º relativo ao gradualismo, “por entender ser uma medida oportuna”, pois estava em causa “uma questão bastante fracturante”.
O depurado Bendito Daniel, do PRS, disse que o país tem necessidade de uma Constituição à altura da realidade do povo e “não pela transmissão de poderes a um só indivíduo como se regista na actual Constituição”.
“O povo precisa de uma Constituição que vá ao encontro da sua cultura. O PRS defende que haja revisão da Constituição, mas não com a perspectiva de pontualidade, uma vez que os angolanos pretendem actualidade e não particularidade”, disse.
Para o deputado Lucas Ngonda, da FNLA, na proposta de revisão, o Presidente da República devia abordar as questões de fundo que têm a ver com “o atipismo da Constituição”. “Se quisermos evoluir o sistema democrático no nosso país, temos que ver como as outras democracias funcionam”, defendeu.
28 artigos alterados e seis aditados, além de quatro revogações
Depois da mensagem do Presidente, o ministro de Estado apresentou a primeira proposta de revisão da Constituição, que tem 11 anos de vigência. Esclareceu que a proposta prevê a alteração de 28 artigos, aditamento de seis artigos, bem como quatro revogações.
Adão de Almeida reafirmou que “a proposta não prevê e não pretende adiar as eleições gerais de 2022, aumentar os poderes constitucionais ou estender o mandato do Presidente da República, tão-pouco limitar direitos políticos de nenhum cidadão”. “A proposta de revisão é aberta, clara e objectiva, não tendo quaisquer outras intenções que não as que constam do seu texto”, garantiu.
Pretende-se, igualmente, clarificar aspectos respeitantes ao funcionamento do Poder Judicial, preservando a sua independência, dignidade e soberania, reforçando o papel da Magistratura Judicial.
O ministro considerou que o artigo 162 da Constituição, sobre a competência do controlo e fiscalização da Assembleia Nacional, carrega uma das matérias que mais precisa de clarificação. “Todos sabemos que há interpretações díspares sobre esta matéria. Tal situação introduz dúvida sobre o funcionamento das instituições e do sistema político e não joga a favor de um relacionamento saudável entre o Presidente da República e Assembleia Nacional, que deve ser clarificado”, disse.
Neste domínio, referiu, a proposta constitucionaliza quatro elementos adicionais de fiscalização política, com destaque para a apreciação parlamentar dos relatórios trimestrais do Orçamento Geral do Estado, audições e interpelações parlamentares aos membros do Executivo, bem como a realização de inquéritos parlamentares.
Adão de Almeida acredita que a alteração constitucional potenciará um melhor relacionamento institucional entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional e eliminará as dúvidas sobre os mecanismos de fiscalização política. “Cabe ao Poder Político governar e ao Parlamento fiscalizar a acção governativa”, lembrou.
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