A cadeia cafeícola e a cultura do cacau, caju e da palmeira de dendém necessitam de mais de 150 milhões de dólares norte-americanos, para se aumentar e resgatar os níveis de produção que caracterizaram Angola no período colonial.
Apesar de já ter sido o terceiro maior produtor mundial de café em 1970, período em que atingiu cerca de 225 mil toneladas por ano, actualmente a produção do “bago vermelho” em Angola está irrisória e longe de alcançar lugares cimeiros em África, em particular, e no mundo, em geral, devido ao fraco investimento e “quase esquecimento” desse sector.
Conforme o director-geral do Instituto Nacional de Café (INCA), Bonifácio Francisco, por exemplo, os valores disponibilizados nos últimos dois anos foram insignificantes e irrisórios, que “não passaram dos 294 milhões de kwanzas e 500 mil dólares norte-americanos”.
Em entrevista à ANGOP, a propósito do Dia Mundial do Café, a ser assinalado a 14 de Abril (quarta-feira), o responsável afirmou que, em consequência do fraco investimento nesse sector, a actual produção do café angolano tem sido variável e nivelada por baixo, comparativamente ao tempo colonial.
A título de exemplo, avançou, registou-se, em 2018, a produção de 6.400 toneladas de Café Robusta, contra 4.245 produzidas em 2019, enquanto em 2020 a produção subiu para 5.570.
A par do Café Robusta, o sector registou a colheita de 110 toneladas de Café Arábica em 2018, 124 (em 2019) e 480 (em 2020).
Eis a íntegra da entrevista:
ANGOP – Angola já foi, no tempo colonial (1970), o terceiro maior produtor mundial de café. O que está a ser feito para voltar a resgatar esse feito?
Bonifácio Francisco (BF) – Para resgatar os níveis de produção de café em Angola, precisamos de envolver um número elevado de famílias no processo de produção e colocar a funcionar as rosas e fazendas, bem como utilizar novas formas de cultivo (via vegetativa), facilitar o acesso ao crédito, entre outras acções. A actividade cafeícola no país enfrenta, entre várias dificuldades, o envolvimento reduzido de agricultores no processo produtivo.
ANGOP – De que incentivos económicos o sector tem beneficiado?
BF – Relativamente aos incentivos, esses têm sido muito raros, apesar de se vislumbrar uma luz de apoio à produção do café, cacau, palmar e caju.
ANGOP – Qual foi o investimento empregado no sector nos últimos dois anos?
BF – Os valores disponibilizados, nos últimos dois anos, são irrisórios, não superiores a 294 milhões de kwanzas, o equivalente a 500 mil dólares.
ANGOP – Quantos milhões de kwanzas/dólares seriam necessários para se atingir a produção desejada?
BF – Para um real funcionamento da cadeia cafeícola e das culturas do cacau, caju e da palmeira de dendém, é necessário que se mobilizem mais de 150 milhões de dólares norte-americanos, para se investir nesse sector, a nível do país.
ANGOP – Quais são os actuais níveis de produção anual do café em Angola?
BF – Os actuais níveis de produção têm sido variáveis em relação ao café comercial produzido, nos últimos três anos, em Angola, ou seja, em 2018, registou-se a produção de 6.400 toneladas de Café Robusta, contra 4.245 produzidas em 2019, enquanto em 2020 a produção subiu para 5.570. A par do Café Robusta, o sector registou a colheita de 110 toneladas de Café Arábica, em 2018, 124 (em 2019) e 480 (em 2020).
ANGOP – Qual é a quantidade produzida anualmente por cada região cafeícola e quais são as províncias que concentram maior produção nacional de café?
BF – Anualmente, as quantidades produzidas por cada região cafeícola também são variáveis, quer pelas Empresas Agrícolas Empresarias (EAE), quer pelas Empresas Agrícolas Familiares (EAF). Por exemplo, em 2020, a província do Uíge produziu 1.963 toneladas, a do Cuanza-Sul colheu 1.694, enquanto as do Cuanza-Norte, Bengo, Cabinda, Huíla, Huambo, Bié e Benguela produziram 2.393 toneladas. Neste contexto, o Uíge e o Cuanza-Sul continuam a liderar a produção cafeícola angolana.
ANGOP – Quantos hectares estão disponíveis para o cultivo de café (área de exploração)?
BF – Nos anos anteriores, a actividade cafeícola era praticada por pelo menos 500 mil cafeicultores, entre famílias e empresas agrícolas, numa área de cerca de 620 mil hectares. Actualmente, a área para o cultivo, a nível nacional, está estimada em 36 mil hectares, representando uma queda de 584 mil hectares em relação ao passado.
ANGOP – Como está a relação entre a oferta e a procura do café no mercado angolano?
BF – Esta relação leva-nos a pensar no seguinte: actualmente existem muitas empresas dedicadas ao processo de exportação, e, se repararmos os níveis de produção, facilmente perceberemos que há muita procura e pouca oferta.
ANGOP – Quais são os actuais níveis de exportação de café de Angola?
BF – Os níveis continuam a ser considerados muito baixos, se comparados com a era colonial, mas, desde 2016 à presente data, temos observado variações positivas, devido à entrada de novas áreas de produção.
ANGOP – Quantos milhões de dólares foram arrecadados com a exportação nos últimos dois anos e qual tem sido o destino do café de Angola?
BF – Em 2020, o país exportou 1.662 toneladas de café verde (27.701 sacos de 60 quilogramas), que permitiram encaixar 1.260.680 dólares norte-americanos. Os principais destinos do café de Angola, em 2020, foram Portugal, Espanha e Líbano.
ANGOP – Fale-nos das principais tipologias/espécies de café plantadas em Angola.
BF – Em Angola, cultiva-se o Café Robusta e o Café Arábica. Com base no ecossistema, convencionou-se, localmente, diferenciar quatro tipos (ecótipos) de Café Robusta com atributos particulares: Café Amboim (Cuanza-Sul), Café Ambriz (Uíge, Bengo e Malanje), Café Cazengo (Cuanza-Norte e Bengo) e Café Cabinda (Cabinda). O Café Arábica cresce fundamentalmente nas terras altas do Huambo, Benguela, Bié, Huíla e Cuanza-Sul.
ANGOP – Quantas empresas ou cafeicultores se dedicam à produção?
BF – O país tem registado, nos últimos anos, uma migração da área produtiva, fruto da inserção de empresas particulares na produção de café. Actualmente, o INCA controla 11 empresas cafeícolas, destacando-se as fazendas Vissolela, Agrolíder, MCA-Agro, Boa Esperança, Topoagro, entre outras.
ANGOP – Qual é o estado funcional das indústrias/fábricas transformadoras de café?
BF – Grande parte dessas fábricas tinha dependência total do Estado, mas, neste preciso momento, estão inoperantes. As fábricas que se encontram em funcionamento estão sob controlo de particulares e em número muito reduzido.
ANGOP – Como tem sido a real utilidade do café angolano? O produto também é aproveitado para a Medicina?
BF – Falar da utilidade é fazer uma reflexão do consumo e uso a nível do país. Temos pouco hábito de consumo, ou seja, não somos bons consumidores. O café já é utilizado no país para a confecção de licores (bebidas alcoólicas doces), e existe uma empresa apostada na fabricação de produtos cosméticos.
ANGOP – Perspectivas de produção da próxima safra…
BF – Em virtude das condições favoráveis ocorridas e da entrada em vigor das novas áreas, quer a nível das famílias produtoras, quer das empresas particulares, perspectiva-se, na próxima safra, a produção de mais de seis mil toneladas.
ANGOP – Actualmente, em que posição se encontra Angola no ranking africano, em particular, e mundial, em geral, relativamente à produção do “bago vermelho”.
BF – Devido à baixa na produção, o país nem sequer aparece entre os mais fortes produtores.
ANGOP – Fale do actual ponto de situação da elaboração da história do café de Angola, que se iniciou em 2014 com especialistas nacionais e portugueses…
BF – Tenho uma vaga informação a respeito disso, mas temos acompanhado à distância tal processo. O mesmo foi concluído com algum “distúrbio à mistura”. Sobre esse assunto, fala-se já na circulação de manuais em Portugal.
ANGOP – Ainda no quadro da recuperação do acervo bibliográfico sobre a cafeicultura angolana, como está a cooperação entre Angola e Portugal, através do Instituto de Investigação Científica Tropical?
BF – Existe uma cooperação entre o INCA e o Instituto de Investigação Científica Tropical no que tange à recuperação do acervo bibliográfico, mas esse processo encontra-se paralisado.
ANGOP – No âmbito da formação de quadros, como está a cooperação/interacção entre angolanos e especialistas portugueses do Instituto Superior de Agronomia?
BF – Relativamente à formação entre técnicos do INCA e do Instituto Superior de Agronomia de Portugal, esse processo mantém-se, mas encontra-se paralisado por falta de verbas a nível da instituição.
ANGOP – Para além de Portugal, quais são os outros países/organizações com que Angola mantém cooperação para potenciar a produção?
BF – Para além de Portugal, o país mantém cooperação com a Espanha, Itália, Costa do Marfim, São-Tomé, Guine Equatorial, Indonésia, entre outros, não só devido ao café, mas também ao cacau, caju e palmar.
ANGOP – A par do café, qual é o ponto de situação dos produtos que também fazem parte desta fileira (palmar e cacau)?
BF – No domínio do cacau, caju e da palmeira de dendém, o grosso das actividades foi implementado no âmbito do “Projecto de Desenvolvimento da Cadeia de Valores de Cabinda”. Vale reportar o registo de produção de mudas de palmeiras por produtores privados no Cuanza-Norte e Cuanza-Sul, com sementes importadas da República do Benin.
Dados biográficos
Bonifácio da Costa Francisco nasceu a 5 de Outubro de 1965, no município da Banga, província do Cuanza-Norte.
O engenheiro agrónomo é casado e actual director-geral do Instituto Nacional de Café (INCA), cargo que ocupa desde 2019.
De 2017 a 2018, foi administrador municipal-adjunto para a área Financeira e Orçamental do Golungo Alto (Cuanza-Norte).
Foi, igualmente, administrador municipal-adjunto para o Sector de Organização Económico, Produtivo e Social (Golungo Alto) de 2016 a 2017.
De 2015 a 2016, foi funcionário do Instituto de Desenvolvimento Agrário e, posteriormente, chefe do Departamento de Mercados e Preços.
Em 1993, trabalhou na Delegação Provincial da Agricultura de Luanda, onde chefiou a Secção de Projectos Agrícolas, enquanto, em 1994, funcionou na Cooperação Angola/Itália (UIT).
Em 1996, trabalhou no Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, em particular no Gabinete de Estudos e Avaliação de Projectos, onde chefiou a Secção de Avaliação de Projectos.
Frequentou o ensino superior na Escola Frutuoso Rodrigues Pérez, afecta à Universidade de Ciências Agro-Pecuárias de Havana (Cuba), entre 1987-1992. Em 1979-1987, fez os ensinos secundário e pré-universitário nas escolas Hojy-Ya-Henda, Saidy Mingas e Dr. António Agostinho Neto (Cuba).