Para que as potencialidades se revelem de forma efectiva e contribuam para a afirmação económica e social do país, deve-se avançar na valorização do espaço urbano e rural, no aumento de receitas e na criação massiva de emprego para as populações.
A existência de inúmeros recursos turísticos, histórico-monumentais e naturais, fazem de Angola um país com capacidade de contrariar as tendências globais de crises e depressões económicas, que caracterizam o mundo actual, indicou Manuel Francisco Bandeira, doutorado em Ciências Económicas e Empresariais.
Em entrevista ao Jornal de Angola, Manuel Bandeira disse que, “apesar dos diversos constrangimentos e limitações do sector do Turismo, agravado pela Covid-19, uma das grandes vantagens que o país deve explorar ao máximo, é o facto da actividade turística ser ainda incipiente, encontrar-se numa fase embrionária e de possuirmos recursos turísticos virgens, ao longo do país”.
Manuel Bandeira, que também é Professor associado do ISCED de Benguela, sustenta, ainda, que “esta realidade, nos permite aproveitar as melhores experiências, sobretudo dos países vizinhos, facto que nos permite planificar, de forma racional, o desenvolvimento do Turismo. Temos tudo para fazer bem as coisas e o momento é agora”, acrescentou.
Fazendo recurso a um provérbio asiático, o também consultor em Turismo sustentável para o desenvolvimento local alerta para o perigo de se negligenciar os recursos turísticos, pois, indicou, “o Turismo é como o fogo, já que pode servir para cozinhar, como também pode incendiar a casa”.
O especialista afirmou, também, que “a maioria dos países africanos se encontra num momento de seu desenvolvimento, em que têm de decidir se vão explorar os seus recursos naturais de forma sustentável, através do ecoturismo, ou se vão seguir os passos dos países desenvolvidos que começaram a fazê-lo, quando já era demasiado tarde”.
Acautelar as políticas públicas
Para que tais potencialidades se revelem de forma efectiva e contribuam para a afirmação económica e social do país, o especialista indicou que se deve avançar na valorização do espaço urbano e rural, no aumento de receitas e na criação massiva de emprego para as populações.
Com efeito considera ser importante e urgente acautelar aspectos do ponto de vista das políticas públicas, no sentido de se aprofundar a desconcentração e descentralização local e se alargar o âmbito de intervenção dos municípios na definição, por via da participação de todos (instituições e sociedade civil e população em geral das estratégias de desenvolvimento do Turismo local, tendo por base os recursos existentes.
Pelo carácter multidisciplinar, multissectorial e transversal, Manuel Bandeira refere ser urgente a reestruturação do sector do turismo, do topo à base, já que a actividade não se compadece com o empirismo e a improvisação.
“O Ministério do Turismo deve ter na liderança no desenho e implementação das políticas, estratégias e projectos inovadores, um corpo de quadros técnicos, cientificamente especializados em Turismo e contar com um grupo de consultores angolanos, por regiões turísticas altamente qualificado, integrada por doutores, mestres e especialistas. No aspecto institucional é urgente alinhar a estrutura directiva e funcional do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente com a província, município e comuna”, indicou.
Na qualidade de consultor em Turismo sustentável para o desenvolvimento local, Manuel Bandeira critica o facto de, a nível central do Executivo, existir a estrutura do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente (MCTA), mas, a nível de províncias, haver directores de Gabinetes de Turismo que acumulam as áreas da Cultura e Juventude e Desportos, sem o Ambiente.
Por outro lado, a nível dos municípios existe a figura do director municipal do Turismo, Cultura e Tempos Livres, Juventude e Desporto, enquanto que a nível das comunas, por vezes, quem responde pelo Turismo é o funcionário do Comércio. “De facto, não existe a sincronia necessária, para se impulsionar um sector que deve estar seriamente virado para a economia”, comentou.
Sugere que se dote o Instituto Nacional de Fomento do Turismo de meios financeiros e, sobretudo, de quadros técnicos e científicos especializados na área do desenvolvimento do Turismo, por forma a que, primeiro, “este sirva e apoie, através de estudos (realização de mapeamento, cadastramento, organização dos recursos turísticos) em todo o território, concepção de estratégia de marketing do turismo angolano, a nível nacional e internacional, em articulação com os operadores privados e suas associações de classe, diagnósticos, avaliação e acompanhamento das iniciativas do poder e empreendedores locais orientadas para a promoção do Turismo”.
Manuel Bandeira aconselha que os Governos provinciais e municipais sejam dotados de quadros especializados em Turismo, para a elaboração, com o apoio de consultoras, de Planos Directores de Desenvolvimento do Turismo (PDTM/P).
Do ponto de vista da administração e gestão do território
O especialista em Turismo indicou necessidades para a definição rigorosa de políticas de desenvolvimento urbano e rural, que podem garantir condições para a melhoria da segurança dos meios e infra-estruturas de transportes em todas as suas formas e dimensões, vias de comunicação, água e energia eléctrica.
Também, sublinhou a necessidade de criação e preservação de espaços de utilidade turística, designadamente vales, colinas, montanhas, rios, lagoas, parques florestais, reservas naturais, flora e fauna nativas e praias.
Do ponto de vista territorial, a sugestão inclui apoio e fomento de iniciativas de criação e modernização de infra-estruturas hoteleiras, bem como a formação de quadros de turismo e hotelaria, guias turísticos locais e tradutores e a criação de agências locais de fomento e apoio ao turismo, que possam trabalhar como agentes de intermediação e negociação de créditos entre os bancos e outros fundos de financiamento e os empreendedores turísticos.
Na mesma vertente, o especialista diz que o empresariado nacional deve ser capitalizado, para estimular o crescimento das empresas existentes, fomentar o empreendedorismo e a criação de pequenas e médias empresas ao longo de todo o território nacional.
Nesta perspectiva, considera ser importante a criação de bases para incentivar o turismo social. Para o efeito, enfatizou que “a estratégia deve priorizar um plano de ofertas e pacotes de productos turísticos orientados para a grande massa de empregados públicos, sobretudo os professores e enfermeiros, e pensar nas oportunidades de emprego para a juventude”.
Para estes segmentos de procura, Manuel Bandeira prefere pensar nos parques de campismos, albergues, turismo de férias de empresas, estudantes e outros serviços de baixo custo. “Quer dizer, só teremos turismo interno, quando os professores e os enfermeiros poderem retirar, do seu salário, um valor para as suas férias ou, num fim-de-semana prolongado, poderem deslocar-se com as suas famílias e disporem de um alojamento no destino a preços competitivos”, explicou.
Para ele, “a capitalização requer a criação de um fundo de desenvolvimento do turismo, financiável por impostos ou taxas municipais com valores e campos a definir, para permitir o financiamento de projectos inovadores de turismo, ao exemplo do Plano Director do Turismo do Tômbwa (Namibe) e do projecto em curso na Aldeia Camela Amões, no município do Catchiungo (Huambo)”, fundamentou.
A estratégia de desenvolvimento do Turismo
Sendo um país demasiado extenso, com uma geomorfologia variada que o potencia como destino turístico competitivo a nível de África e do mundo, Angola deve adoptar uma estratégia de desenvolvimento do Turismo, visando obter os melhores resultados, num quadro de autonomia local e autárquico. Ou seja, num ambiente de rápida intervenção dos órgãos do poder de Estado a nível local, diz o consultor.
“O governo deve acelerar os mecanismos que visam alcançar, o mais breve quanto possível, à luz da Lei, a institucionalização das autarquias locais no país ou de outras formas de autonomia financeira e administrativa, por formas a reduzir a pressão às instituições do Poder Central para decidir, dispersando, assim, as fontes de decisão e orientação em matéria de desenvolvimento e consequentes riscos de burocratização e de corrupção”, defendeu.
Proposta de regionalização turística para actuação adequada
Para Manuel Bandeira, a regionalização geográfica do turismo (regiões-províncias) é uma opção adequada, que conduz à melhoria da administração e gestão do espaço territorial turístico. “Esta figura vai facilitar a potencialização das diferentes modalidades turísticas, de acordo com o potencial inventariado em cada região (província, município e/ou comuna), ampliar e diversificar a oferta de produtos e serviços turísticos, tendo em conta os atractivos naturais, histórico-monumentais e culturais das localidades de destino”, disse.
O especialista considera que, “por esta via, se pode planificar e impulsionar a criação de tipologias de infra-estruturas turísticas, hoteleiras e afins, de forma extensiva, em todo o país, no litoral e interior, na perspectiva de se ter internamente um turismo mais inclusivo”. A figura destaca as bases de partida, alicerce para projectar a planificação e o desenvolvimento do turismo sustentável, na base dos recursos turísticos das 18 províncias devidamente inventariados, classificados e tipificados, em função das hierarquias e fluxos.
Com base nas estratégias encaminhadas inicialmente para a Região Litoral Centro de Angola (Cuanza-Sul e Benguela), Manuel Bandeira apresenta uma proposta, que consiste em ampliar o espaço territorial turístico para outras províncias. Neste caso, perpectivou, na escala macro, a criação da região litoral centro e sul, planalto central e leste.
Por sua vez, a região ficaria subdividida em duas sub-regiões, nomeadamente a sub-região “litoral centro e sul”, que inclui as províncias do Cuanza-Sul, Benguela e Namibe, e a sub-região do “Planalto Central e Leste”, que integra as províncias do Huambo, Bié e Moxico.
Na prática, com excepção das províncias do Cuanza-Sul e Namibe, as demais províncias integrariam o “Corredor do Lobito”, uma região económica emergente de capital importância para o país e para a região da África Austral (SADC).
Segundo Manuel Bandeira, sobre isso já existem estudos avançados em algumas províncias, onde ele e a sua equipa implementaram, na prática, a estratégia integrada por três peças fundamentais interligadas entre si, nomeadamente, inventário e diagnóstico das potencialidades turísticas naturais, histórico-monumentais, culturais da região (províncias), proposta de divulgação, promoção e marketing turístico das províncias, que prioriza os recursos turísticos inventariados e o Plano Director do Turismo da província (PDTP/M), tendo em conta a perspectiva de regionalização geográfica.
O Inventário e Diagnóstico do Potencial Turístico (IDPT)
Manuel Bandeira explicou que o Inventário e Diagnóstico do Potencial Turístico (IDPT) caracteriza-se por priorizar a recompilação, ordenação e catalogação dos recursos turísticos delimitados de uma área determinada, que consiste no registo e estudo integrado de todos os elementos turísticos, que por suas qualidades naturais, culturais e humanas podem constituir um recurso para o turista e representa um instrumento valioso para a planificação turística, pois, serve como ponto de partida para realizar avaliações e estabelecer prioridades necessárias para o desenvolvimento turístico, à escala provincial e local.
Considera que produzir esta importante ferramenta constitui uma prioridade, que vai criar as premissas para a planificação do Turismo no espaço territorial turístico e culminar com a elaboração do Plano Director do Turismo (PDTP/M), onde a perspectiva da protecção dos recursos naturais e a defesa do património natural, histórico-monumental e cultural é fundamental.
“É conveniente considerar o inventário dentro de um processo de planificação mais complexo que a mera identificação, localização e descrição de lugares para o investimento turístico imediato, pois, a relação entre os sítios (lugares) com o património e a actividade turística constituem uma relação dinâmica e pode implicar valorações diversas. Esta relação deverá ser gerida de modo sustentável para a actual e futuras gerações, tal como recomendam as normas do Turismo sustentável”, explicou Manuel Bandeira.
Divulgação, promoção e marketing turístico
Manuel Bandeira avalia a necessidade de uma “Estratégia de Divulgação, Promoção e Marketing Turístico” para o país, que, em seu entender, “vai permitir o conhecimento prévio por parte da administração, dos empresários, turistas e outros interessados, relativamente ao potencial de recursos turísticos inventariados, para serem amplamente conhecidos para a sua valorização e rentabilização económica”.
“A estratégia visa criar revistas, catálogos, desdobráveis, folhetos, calendários e outros materiais publicitários da província, município e comuna. Esta actividade é no âmbito do plano, sendo a primeira tarefa, que deve culminar com a realização de um fórum provincial ou municipal de exposição das potencialidades turísticas naturais, histórico-monumentais, culturais e infra-estruturas para atrair investimentos nacionais e internacionais, a fim de colocar a região na rede do turismo além-fronteiras”, referiu.
Plano Director do Turismo
Segundo Manuel Bandeira, a estratégia nacional do turismo sustentável para Angola deve incluir um Plano Director do Turismo (PDTT) como instrumento, pelo qual a província, município ou comuna planifica o desenvolvimento sustentável do turismo, especificando o conjunto de directrizes, programas e projectos que vislumbra para o futuro próximo, além da qualidade técnica. O documento deve ser produzido de forma participativa, com acompanhamento da população e vontade política do Governo provincial, municipal ou comunal, para que o mesmo seja integrado e consensuado.
De acordo com a visão da estratégia proposta por Manuel Bandeira, o Plano Director vai planificar, prevendo racionalmente as acções a realizar, em função dos recursos e os objectivos que se pretende alcançar, para gerar transformações, assim como prevê-los, antecipando-se aos acontecimentos negativos, racionalmente analisando os meios e fins para alcançar a coerência e os resultados previstos.
A proposta inclui acção com tarefas e operações concretas a realizar, recursos como sendo pessoas e elementos materiais (natural-cultural), objectivos como câmbios, resultados ou fins a alcançar, e transformações que produzirão o futuro desejado, numa perspectiva melhorada.
As experiências do Dombe Grande (Benguela) e Tômbwa (Namibe)
Na sua função investigativa, Manuel Bandeira, juntamente com a Kibabata Service Consultores, concluíram o levantamento do potencial turístico da comuna do Dombe Grande, na província de Benguela, bem como elaboraram o Plano Director do Município do Tômbwa, na província do Namibe.
Com base nas experiências de trabalhos realizados na comuna do Dombe Grande (Benguela) e no município do Tômbwa (Namibe), o especialista propõe a implementação da proposta metodológica na região, por acreditar que, “no prazo de pouco mais de 24 meses de árduo trabalho, pode ser coberto o espaço territorial turístico regional e, dessa forma, lançar-se as bases de partida para potencializar o turismo nas seis províncias que integram a região.
Por outro lado, considera a metodologia suficientemente flexível, sendo que a experiência pode posteriormente ser transferida para outras regiões (províncias) do país.
Concluída, essa fase do projecto, que vai destacar as potencialidades turísticas do Corredor do Lobito e das províncias do Cuanza-Sul e Namibe, a fase seguinte será a da criação de equipas técnicas multidisciplinares e especialistas nacionais em turismo, com o objectivo de planificar destinos turísticos de referência ao nível da região, sub-região e províncias interligadas, considerando as vantagens comparativas e competitivas da região, na qual a província de Benguela deverá evoluir como o principal destino turístico de Angola.
fonte:J.A.